Antigamente, era comum aparecer numa estância um gaúcho com intenção de descansar no galpão, por uma temporada, enquanto seu cavalo engordasse um pouco, solto em uma invernada. A esse tipo de gaúcho dava-se o nome de “tumbeiro”. Eram homens de bons antecedentes e de boa conduta, amadurecidos na luta pela vida, talvez infelizes em seus antigos amores. Vítimas do destino, viviam sós. Suas posses resumiam-se no cavalo encilhado. Gozando da vida livre, cortavam campos e estradas afora, passando de pago em pago com a esperança e a ilusão de ainda fazerem querência. Eram conhecidos dos peões ou do próprio patrão. Acertado com o patrão e com licença de invernar o cavalo, o tumbeiro valia-se do aconchego do galpão por um ou dois meses. Não assumia responsabilidade nos trabalhos cotidianos da estância, nem era remunerado. A troco da hospedagem fazia serviços gratuitos, cocho ou cancela. Fazia cabo para machado, sovava couro cru ou lonqueava para fazerem cordas. Além disso, ajudava nos rodeios, banhos de gado ou recoluta. O patrão aceitava de bom grado, porque nada tinha que desembolsar, só a comida. Mas, naqueles tempos, nas estâncias, a despesa com o sustento nem era levada em conta. Findo o prazo estipulado, o tumbeiro pedia que trouxessem seu cavalo da invernada. Prendia-o no palanque por alguns dias, para adelgaçar. Depois, cortava-lhe os cascos, aparava a cola pelo machinho e emparelhava o toso da crina. No dia da partida, encilhava o pingo com toda a pachorra. Ponche emalado, cola atada, mala de garupa embaixo dos pelegos, com uma muda de roupa, laço nos tentos e pala por cima dos arreios com ambas as pontas caídas, uma de cada lado. Depois, já meio pachola, após um banho na sanga, em roupas domingueiras, ia despedir-se do patrão, da família e demais serviçais da casa. Feitos os cumprimentos de praxe, de chapéu na mão o vivente, já mais familiarizado com o patrão, arriscava um gracejo: ''Desculpe alguma brincadeira de mau gosto''. Já de chapéu posto, o gaúcho encaminhava-se para o palanque. Desatava o cabresto, colocando parte dele embaixo dos pelegos, emparelhava as rédeas e, rápido, pondo o pé no estribo, alçava a perna, enforquilhando-se galhardamente nos arreios e saía a trote chasqueiro. Na estância, ficavam comentando que iriam sentir um vazio com a ausência do tumbeiro. Era guapo, alegre e serviçal. Homem para o que desse e viesse. O próprio patrão era do parecer que o gaúcho permanecesse por mais tempo em seu galpão. Mas o tumbeiro parecia marcado pelo destino. Tinha de cumprir a missão de viver como um índio vago. E, talvez, morrer com a sina do cavalo: velho e solteiro.
O tumbeiro foi eternizado por meio da música de mesmo nome, composta pelo cantor Mano Lima:
Sou tumbeiro e isso me agrada/Viver de estância em estância/Assim vou cumprindo a sina/ Que trago desde criança. Reconforta minha alma/ Andar pelo pago meu/Pois pingo, pata e cordeona/ Foi tudo que Deus me deu. Patrão me dê uma pousada/ Me deixe desencilhar/ Quem sabe tem alguma lida que eu possa lhe ajudar/ Sou ginete, sou tropeiro, sou até esquilador/E quando me sobra um tempo/ Pego a gaita e sou cantor. Não pergunte de onde eu venho/ nem tão pouco quem eu sou/ Se minha estampa não lhe basta/ Monto à cavalo e me vou.”
Fontes:
Gonçalves, Raul Annes. “Mala de Garupa - Costumes Campeiros”, Martins Livreiro, 1999.112 p.
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