quarta-feira, 20 de junho de 2018

O MATE FEMININO

Prenda sorvendo um chimarrão - Foto Luísa Quadros 


Adoçado com açúcar ou mel, perfumado com canela e jujos (ervas) ou acrescido de leite, o mate das mulheres era um primor de criatividade e uma subversão declarada ao chimarrão (amargo) dos homens. Nem os tradicionais avios eram respeitados, pois a cuia era comumente substituída por canecas de louça.
A hora do mate, para as mulheres, era o meio da tarde, quando as lides da casa aliviavam, os filhos estavam na escola ou brincando na rua, e os maridos, trabalhando. Elas se juntavam para conversas, ouvir novelas, fazer trabalhos manuais, trocar receitas e atualizar fofocas.
O mate doce nunca vinha só. As mulheres costumavam sentar ao redor de uma mesa onde eram servidas, pelo menos, “galletas” e rapadura de palha. Cucas, broas, bolos e doces caseiros de várias naturezas eram o orgulho das comadres que, ao chegarem de visita, costumavam presentear a dona da casa com "alguma coisinha boa".
Para se preparar o mate doce deve-se: acomodar a erva-mate em uma caneca de louça, ocupando dois terços do espaço; virar a caneca em um ângulo de 45 graus, cobrindo a boca com a mão, de modo que a erva forme um morrinho achatado na ponta com um “vale” ao lado, conservando a caneca inclinada; acrescentar o leite ou água quente. Se for leite, pode ser levemente adoçado ou não, conforme a preferência e pode ser previamente fervido com canela e/ou mel. À água quente podem ser acrescentadas ervas medicinais. Deixar a erva inchar levemente e embutir a bomba na parte baixa do mate, cobrindo o bocal para não entupir. Colocar uma colher de açúcar no fundo da erva (dispensar este procedimento se o leite já estiver adoçado). A esta altura, a primeira água (ou o leite) já terão sido quase absorvidos. Portanto, é preciso acrescentar mais, formando uma “sanguinha” ao lado do morro da erva.
A pessoa que fez o mate é a primeira a tomar, depois passa para as demais companheiras. Em uma roda de cinco mulheres ou mais, acrescentar uma colher de açúcar a cada três passadas da caneca.
A palavra “yuyo” - filha do vocábulo espanhol yuyo - é usada para identificar as ervas medicinais adicionadas ao mate. O acréscimo de tais aditivos não é obrigatório, obedecendo ao gosto das comadres. Podiam servir simplesmente para dar um tempero ao mate, ou para ajudar a combater achaques. A macela é a mais cotada e prestigiada de todas as ervas na Campanha, sendo usada para quase tudo. Entre suas propriedades, é arrolado o combate a insônia e as mais diversas complicações respiratórias e do aparelho digestivo. 
O mate doce foi eternizado pelo poeta e payador Jayme Caetano Braun, através dos versos da poesia de mesmo nome: “Não há, na austera imponência/ Da vivência campesina/ Estampa mais feminina/ Que esse mate, flor de essência/ Doce, que amarga na ausência/ E se evola na fumaça/ E vai roubando, onde passa/ No recesso das querências/ As mimosas confidências/ Da gauchinha lindaça/ De porongo ou porcelana/ De preferência pequena/ É a cuia que mão morena/ Palmeia em prece pampeana/ É de prata boliviana/ A bomba, é de ouro maciço/ É a chupeta e é por isso/ Pelo menos é uma crença/ Que ela não transmite doença/ Nem quebranto, nem feitiço/ Mate doce, de água ou leite/ Com erva-doce ou canela/ Não há no pago, donzela/ Que não te sinta o deleite/ E que embora nem suspeite/ Porque foi ou porque fosse/ Vê, no que não realizou-se/ Nos sonhos da sua vida/ A lembrança indefinida/ Do teu beijo, mate doce/ Mate que em tarde chuvosa/ Tem a frequência de um rito/ Mesclado com bolo frito/ E com leite da barrosa/ Mate que a prenda mimosa/ Que foi menina e cresceu/ Flor do pago onde nasceu/ Sorve entre alegre e tristonha/ E comendo sonho, sonha/ Um sonho que será seu/ Mate doce das vovós/ Que passaram tantas coisas/ Mate doce das esposas/ Que, um dia ficaram sós/ E que perderam a voz/ Dos risos e as alegrias/ Mate doce das titias/ Que escaparam das mangueadas/ E te sorvem extasiadas/ Na lembrança de outros dias/ Quanto a mim, mate divino/ Inspirados de cantores/ Foste, o filtro dos amores/ Que enfeitiçou meu destino/ Pois este andejo teatino/ Ao sorver-se a vez primeira/ Se adonou dessa maneira/ Deus permita que isso fosse/ Da que achou o mate doce/ Minha doce companheira. 

FONTES:
1 Duarte, Rosina. “Conto sem fadas – Retalhos de Memória”, Porto Alegre, Tomo Editorial, 2006, 112 p.

2 http://www.juntandorimas.com/poesias/jayme/matedoce.htm 

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