A infância é a parte
mais importante do desenvolvimento humano, pois é a fase das descobertas, da
formação. A forma mais eficiente
de aprendemos durante esse período é por meio das brincadeiras. Brincar traz
alegria à criança, ao mesmo tempo ajuda a descobrir novos limites e
possibilidades. Toda criança, em qualquer cultura, brinca e existem fortes
evidências arqueológicas e históricas que isso sempre aconteceu, desde o
surgimento das espécies. No que diz respeito às brincadeiras das crianças
gaúchas, é sabido que até 1970, 46,7% da população gaúcha vivia no meio rural. Ao
contrário de hoje, onde as famílias são menores e têm um maior poder aquisitivo
pela facilidade de crédito, as famílias campesinas eram numerosas e geralmente
pobres e não dispunham de recursos para compra de brinquedos. Devido a isso, as
crianças tinham que improvisar e criar seus próprios passatempos. Tratando-se
de meninas, a maioria tinha bonecas e bonecos confeccionados pelas próprias
mães ou por alguma pessoa com mais imaginação e habilidade para fazê-las. Os
materiais utilizados eram geralmente retalhos ou sobras de tecidos dos moldes
de bombachas, vestidos, etc. Grande parte desses “bonecros” eram feitos de
pedaços de sacos de algodão tingidos que sobravam das costuras; as roupas eram
feitas de crochê e outros tecidos; os cabelos feitos de lã e o rosto (boca,
nariz, olhos, sobrancelhas) delineado por bordados com linhas de diversas cores.
As meninas tinham verdadeira adoração pelas suas bonecas e nas suas atividades
de “faz-de-conta” davam-lhes leite na mamadeira, faziam-nas dormir, penteavam-nas,
embalavam-nas quando choravam, faziam roupas... Os bonecos não eram privilégio
apenas das meninas já que muitos guris tinham os seus campeiros gaúchos, em
suas estâncias de gado-de-osso, também feitos de pano, com direito a nomes,
casamentos, batizados e tudo mais. Além do preferencial brinquedo com as
bonecas, as gurias campeiras costumavam simular a fabricação de queijos,
comidas, doces, bordados, costuras, numa total imitação às atividades de suas
mães, da mesma maneira que os guris com suas estâncias, domas, campeiradas e
carreteadas. E falando em guri, dentre os brinquedos (bodoques, arapucas,
mundéus), o mais comum era a estância de gado de osso: ovelhas, vacas, touros,
cavalos, porcos, bois mansos, conseguidos junto às ossamentas de animais mortos
pelos campos e extraídos das extremidades das patas (dedos) ou de alguns ossos
da coluna vertebral. As crias (terneiros, cordeiros, potrilhos, etc), eram obtidas,
em grande parte, das patas de porcos que, salgadas, eram cozinhadas junto ao
feijão. Na falta de material para montar o gado-de-osso, era usado o gado de
sabugo, que tinha a vantagem de possuir “pelos” que eram salinos, colorados,
brancos, oveiros os quais a gurizada costumava colocar enormes guampas feitas
de arame.1 Esse saudoso brinquedo marcou uma geração e foi
eternizado através da música “tropa de osso” de Luiz Carlos Borges: “De vez em quando, no horizonte do passado, surge
uma nuvem de lembranças andarilhas. Vai repontando, para dentro do meu peito, a
minha infância com seus ossos em tropilha. Tinha mangueira, companheiro, bem
cuidado. Tinha piquetes e um campo, onde invernava. A minha tropa era de puro
pedigree, toda de ossos descarnados que campeava. Gado de osso que foi parte do
meu mundo, carro de lomba e trator de corticeira , o meu bodoque e um banho no
açude foram na infância minha vida verdadeira. Tropa de osso quem não teve
quando piá, ou não foi piá ou não viveu como nós outros. Como era lindo a
gurizada se entretendo, com os ossitos que eram bois, ovelhas, potros. Noutras
andanças topa as reses dos meus sonhos, por um estreito corredor feito
esperança. Algumas vezes sou tropeiro, outras sou tropa, mas sempre guardo os
bois de osso na lembrança”.2
FONTE:
1 Mattos,
Eron Vaz. “Aqui; Memorial em Olhos
D’água”, Bagé, 2003. 210 p.
2 https://www.letras.mus.br/luiz-carlos-borges/495806/
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