domingo, 24 de junho de 2018

ROMANCE DAS TAPERAS

     Tapera Doto Barreto                                              Tapera Mário Pinto


Era uma tarde de carnaval, o sol abrasava os campos. Sobre uma coxilha, duas taperas perdidas em meio a uma lavoura de soja. Uma era sede de uma antiga estância e a outra fora moradia de um chacareiro. Da estrada até elas são aproximadamente mil metros de distância. O acesso é por um caminho irregular, de subidas e descidas, cortado por sangas e banhados, alguns intransponíveis de carro. Veículo deixado à sombra, prossigo viagem a pé, somente com a câmera fotográfica e uma garrafinha de água. Ao atravessar o banhado, minhas botinas ficaram pesadas do barro. À medida que avançava o calor e a fadigada me consumiam, um gole aqui, outro ali e quase já não tinha mais água. Nisso, surge no meio da lavoura de soja, uma ema com dois filhotes. Um deles se perde do grupo e escondido entre as vagens, canta desesperadamente à procura da mãe. Não tarda muito, levanta a cabeça, avista os demais e sai em disparada em alta velocidade, por entre os trilhos deixados pelo trator durante a pulverização. E foi num desses trilhos que em fim cheguei na tapera da estância antiga. Do conjunto da sede, somente restou a caixa d’água, a cisterna e as paredes da casa, feita de tijolos sentados no barro. A pintura da maioria das peças ainda se conserva finamente decorada. Onde foi a sala resta uma tomada antiga de luz, já enferrujada pelo tempo. A maior parte dos cômodos está tomada pela vegetação. Por entre as portas e janelas se vê os campos diferentes de outrora, verdes, não de pastagem, mas sim de soja. Deixando o local, já cansado e com sede, pensei em voltar, mas desisti e prossegui meu roteiro. Ao longe, avisto somente o arvoredo da antiga chácara. Sigo caminho, costeando uma cerca que divide a lavoura de um bosque de acácias que acabara de ser cortado. E, em poucos minutos, estou em frente ao potreiro “das casa”. Ao atravessar o arame, encontro a sombra de frondosos umbus, um pé de açucena com lindas flores rosadas, um arbusto de caliandra rosa que exala de suas flores um agradável perfume, uma figueira com frutos em fase de maturação. Atrás de tudo isso, estão as ruínas da tapera, com apenas as paredes da cozinha, banheiro e lareira da sala de pé. Exausto, com fome e com sede, busco ainda encontrar mais alguma coisa interessante em volta e, para minha surpresa, alguns metros adiante me topo com um rico butiazeiro com um de seus cachos maduro. Me abanco em baixo de sua sombra e me esbaldo comendo de seu suculento e saboroso fruto. Com as forças recuperadas me dirijo para fora do recinto e, no caminho, ainda encontro um pé de tuna com flores em botão prestes a desabrocharem. Ah, tapera velha... há quanto tempo estás desabitada, abandonada, esquecida; mas mesmo assim, ainda tens vida e conservas muito bem a genuína hospitalidade gaúcha ao receber aqueles que te visitam com aconchego fraternal.

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