domingo, 24 de junho de 2018

ROMANCE COM CANJICA E LINGUIÇA ASSADA

Com o objetivo de encontrar um cemitério perdido, cheguei perto do meio dia em uma chácara na costa do Arroio Candiota, na localidade do Baú, no interior do município de Candiota. Era um sábado de abril, de céu aberto e temperatura amena. A propriedade é pertencente a um professor aposentado de biologia septuagenário que ali habita com seus animais: gansos, pavões, galinhas, ovelhas, cavalos, cachorros e gatos (alguns cruzados com felinos selvagens). A casa é simples e fica próxima ao mato que costeia o arroio. O galpão em anexo serve de oficina, sala de estar e jantar. Em frente a este encontra-se um arvoredo de cinamomos onde repousam caminhonetes velhas em desuso, modelos F100, pampa e belina. Enquanto o proprietário me mostrava o jardim, lembrou-se das panelas que tinha deixado no fogo. Vendo que o almoço ia demorar, resolvi então partir para o campo. Como o reduto onde desejava ir era longe, o proprietário me emprestou seu cavalo sogueiro. Enquanto o buscávamos, uma égua velha que transita na volta “das casa”, adentrou no galpão e fez um esparramo de grãos e rações pelo chão. Foi uma luta para retirar o animal dali, visto o pouco espaço do recinto. Enquanto encilhava o sogueiro, a cachorrada retocava faceira, na ânsia de lidar no campo. Com o relho na mão, boleei a perna no pingo e me bandei campo a fora. Primeiramente, cruzei o arroio, onde as pisadas do cavalo no areal ecoavam pelo túnel verde que serpenteia o rio. Após, passei por empedrado irregular que faz caminho sobre um banhadal. Em campo firme, fui ganhando terreno passando por alguns corredores e mangueira que dão acesso a uma tapera, onde restaram três laranjeiras, uma enorme figueira que nasceu sobre um cinamomo e um amontoado de pedras que fora base de um forno de pão. Saindo dali, logo avistei uma cerca de pedras esbranquiçada pelo tempo e com cerca de dois quilômetros de extensão. Costeei a mesma até uma colônia de acácias. Esse ponto é o lugar mais alto daquelas paragens, onde existe um marco do Ibge e se avista o vale do arroio Candiota e seus afluentes. Nesse momento, estava com muita sede, então desci o terreno em busca de um cursor d’água. E após cruzar uma cerca caída, encontrei uma pequena sanga que brota de um manancial. Em frente à ela deixei o pingo atado numa árvore espinhenta, para então saciar a sede. Dali fui até uma cerca que divide os campos, onde deixei o cavalo preso à sombra de um enorme eucalipto-cidró. Varando o alambrado, avisto ao longe um pequeno bosque de eucaliptos de uma tapera e, costeando as partes altas do terreno, chego até ele. No caminho, me topo com um lote de novilhos da raça angus, que se reúne e me observa curioso.  Eram quase três horas da tarde e já estava com dor de cabeça devido ao cansaço e à fome. Foi quando encontrei ao lado do bosque, dois pés de laranjeiras, com frutos ainda verdes. Fiz então um gancho de erva de passarinho e consegui arrancar alguns, que foram descascados com a mão. Nunca foi tão saboroso comer laranjas verdes como essas. Não achando o cemitério o qual pretendia, abandonei a expedição e retornei “pras casa”, pegando um caminho diferente. De vereda, cruzei por cima da taipa de um açude, onde um ratão mergulhou e sumiu nas águas. A cadela ovelheira que me acompanhava, vendo isso, se jogou mais que ligeiro na água à cata da presa.  No meio daquela vastidão, só se escutava o bufo de suas narinas enquanto procurava o ratão no meio da vegetação que cobre parte do açude. Embora seu esforço, não conseguiu encontrar o bicho. Dali avistei um arvoredo de uma tapera. Quando cheguei nela me surpreendi com um cinamomo centenário, no qual, em seu tronco espesso nasceu um frondoso pé de tuna. Cenário como esse merece ser registrado e quando me afastei alguns metros para pegar o melhor ângulo para fotografar, a cadela ovelheira se sentou, bem embaixo da árvore e olhou para horizonte, tornando assim, ainda mais bela paisagem. Nisso olhei pra trás e avistei um touro pampa, deitado próximo à uma sanga, quase no costado de um alambrado. Após, retornei cruzando pela tapera, repleta de várias árvores caídas, com seus imensos troncos secos e um gavião carcará pousado sobre um velho cinamomo. Depois de alguns minutos ao trote, enfim, cheguei “nas casa”, às 16h da tarde, fui recebido pelo anfitrião no galpão, com uma mate cevado a capricho e um banquete, com um “cardápio mui singular: canjica com carne, linguiça assada e ambrosia feita com ovo de gansa.
Mas bah! Fiquei “mais faceiro do que guri de bombacha nova” e me esbaldei comendo. “Oh, Rio Grande velho, pampa sem fronteira, ainda encontro, em teus rincões, gente buena e hospitaleira”.

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