sexta-feira, 27 de junho de 2014

SILVEIRA MARTINS E O ESCRAVO DE SEU PAI

                                                          Gaspar Silveira Martins
                            (Quadro pertencente ao Centro Nativista Gaspar Silveira Martins)

O Dr. Gaspar Martins, nascido em Aceguá, no lado uruguaio, na estância de seu pai, Carlos Silveira, matriculou-se na Academia de Direito de São Paulo e, pelas férias, vinha sempre gozá-las, com a família, no lugar onde nascera...

Naquela época, ainda havia escravos, e seu pai possuía na estância um mulato que, embora bom campeiro e trabalhador, lhe dava muitos incômodos. Devido ao bondoso coração de seu amo e à autonomia de que gozava em suas lides campeiras, não se dava conta de que era escravo. Era-o, porém, perante a lei. Nascido naquele ambiente onde a liberdade se respira a largos sorvos, era de uma compleição física admirável, altaneiro e destemido. “Bom de laço”, domador e boleador, era um perfeito gaúcho.

                                                              Carlos Silveira
                                 (Foto gentilmente cedida pelo Jornalista Sidimar Rostan)


O incômodo que dava ao seu senhor e patrão era que toda vez ia tomar um trago “de cana en la pulperia” (venda-bolicho), tinha forçadamente de “pelear” com os “castelhanos”. Eram frequentes essas brigas, que muito desgostavam ao velho Carlos, porque, sendo muito respeitado pelos uruguaios, procurava corresponder essa atenção vivendo em paz com seus vizinhos.

O mulato, entretanto, era um empecilho a esse desejo. Seguidamente o estancieiro recebia queixa do comissário de polícia, dizendo que o seu peão havia provocado uma luta de que resultara – “hondos herimientos e largas contuziones”. Sempre que isso sucedia, o estancieiro mandava vir o mulato à sua presença e admoestava-o asperamente.

Cabeça baixa, chapéu na mão, o mulato não articulava uma palavra. De certo modo aquela humilde atitude sensibilizava o senhor, trazendo ao seu julgamento até circunstâncias atenuantes, como se fossem as de se achar ele sempre só naquelas lutas, além de não ter certeza de quem teria partido a provocação.

Esses fatos repetiam-se quase todos os meses. Uma coisa também impressionava o estancieiro... é que, a julgar-se pela descrição da “queixa”, as lutas deveriam ser muito fortes”... Mas o mulato jamais trazia delas qualquer vestígio!

Verdade seja que, contando aos companheiros, no galpão da estância as peripécias dessas brigas, ele arrematava sempre com as palavras “saí limpo”, no que os outros achavam muita graça.

No Chuí, nossa fronteira próxima a Jaguarão, morava um compadre e amigo do velho Carlos Silveira – Lycurgo José de Figueiredo, estancieiro naquele departamento e que, de tempos em tempos, se o seu compadre por lá não aparecia, ele ia ao Aceguá, passando com o amigo muitos dias. Em uma dessas ocasiões, dera-se com o mulato um dos costumados conflitos. Já cansado e, vendo que o mulato não se corrigia, pinta-o em poucas palavras ao amigo que o visitava, dizendo: “você leva-o para sua estância. É um bom peão. Ele lá não conhece ninguém e, não tendo inimigos, como por aqui, não haverá necessidade de andar brigando.” Lycurgo, concorda e, de volta ao Chuí, levou o mulato em sua companhia.

Já eram passados muitos meses quando, um belo dia, apresenta-se ele em Aceguá trazendo um bilhete a seu senhor. Nesse bilhete, Lycurgo dizia que o mulato continuava a ser o mesmo que era no Aceguá, em constantes brigas com castelhanos e que ele, Lycurgo, não mais estava disposto a aturá-lo, e por isso, o devolvia.

Nesta ocasião Gaspar Martins terminava sua estação de férias e aprestavam-se os preparativos de sua viagem a Pelotas, donde tomaria o vapor que o conduziria a São Paulo. Carlos chama o filho, mostra-lhe o bilhete do amigo e diz referindo-se ao mulato: “leve-o e venda-o em São Paulo... Também não posso mais aturá-lo...” Gaspar obedeceu. Leva-o em sua comitiva e diz-lhe ao chegar a Pelotas: “Amanhã, às 2 horas, vou tomar o vapor, e quando eu embarcar, quero vê-lo na prancha do vapor, ouviu? “Sim, senhor”, respondeu o mulato, respeitosamente.

Efetivamente, no dia seguinte, Silveira acompanhado de poucos amigos, entre os quais um filho do velho Lycurgo e de alguns colegas, vai tomar o vapor.

Ao embarcar vê o mulato no meio da prancha, segurando os arreios enfeixados, como é de uso na campanha.

Ali estava todo o seu aviamento de campeiro, laço, boleadeiras, chilenas de ferro, o rabo de tatu, entre os pelegos, o facão, e o xiripá. Silveira, vendo-o com aquele volume à mão, pergunta impensadamente e algo impaciente: “Para que isso?”... O mulato se surpreende, e comovido, responde:

“Ueé, seor moço?!... Meus trens!!!"

Silveira encaminha-se para o vapor. Dirige-se ao comissário e pergunta onde tem papel e tinta. Este mostra-lhe a escrivaninha de bordo.

Silveira assenta-se e os amigos o veem redigindo a largos traços qualquer coisa que se parecia com um ofício. Dobra-o, passa entre os amigos, mostra-o e diz-lhes: “È a sua carta de liberdade. Homens como esse não se tiram do Rio Grande. Seria para eles um suicídio”.

Vai até o mulato entrega-lhe o papel dizendo: “Aqui tens a tua carta de liberdade. És um homem livre, podes trabalhar onde quiseres...mas não volte para o Aceguá, a fim de não aborrecer meu pai!”


FONTE:

AZAMBUJA, Bento Martins de. “Recordações Gaúchas”, Camaquã, Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã, Reeditado em 2007. 152 p. 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

ULYSSES REVERBEL

                                                        Ulysses Reverbel


Ulysses Reverbel nasceu em três de novembro de 1846 em Santana do Livramento, filho de Antoine Celestin Charles Reverbel (Carlos Reverbel) e de Leocádia Pimentel de lima.

Diz Carlos Reverbel, o escritor, em depoimento à Jornalista Cláudia Laitano: “Meu tio-avô, Ulysses Reverbel, foi o principal responsável pelo vínculo da família com a tradição maragata. Ulysses era político em Quarai e Livramento e foi um dos signatários do manifesto lançado por Joca Tavares em 1893, anunciando a Revolução Federalista. Quando a Revolução terminou, em 1895, Ulysses Reverbel foi obrigado a fugir para o Uruguai para escapar das perseguições republicanas, nascia assim o ramo uruguaio dos Reverbel”.

Ulysses Reverbel foi político e chefe militar na Revolução Federalista, desde o seu início como tenente-coronel e no final como Coronel Comandante da 1ª Brigada de Cavalaria (150 praças), integrando as forças lideradas pelo Almirante Saldanha da Gama. Este assim definiu a Fisionomia de Ulysses Reverbel, em seu diário, no dia 29 de Janeiro de 1895:

“O Coronel Ulysses Reverbel, apesar do desalinho de seu vestuário, apresenta o aspecto de um militar alemão. Baixo, redondo de corpo, cabeça e cara larga, animada por dois olhos pequeninos, porém vivos. Tem a tez mui tisnada. Os cabelos apenas começam a pintar. Usa bigode aparado à moda antiga. É o que melhor se exprime e mais falante de todos esses chefes. Na sua linguagem, notam-se argúcias de fino rábula”.
Conta seu neto, Ulysses Pereira Reverbel: “Su abuelo materno, Ulysses Reverbel, quien era brasileño, durante la revolución del Almirante Saldanha (Revolução Federalista) intervino activamente con el grado de Coronel. En ese entoces, el abuelo materno hipotecó sus campos y con ese dinero compró armas para ayudar a la revolución”.

“Quando o Almirante Saldanha foi morto numa batalha e desmoronou a revolução, Ulysses se fixou, com esposa e filha, no Uruguai. Teve que vender seus campos para pagar a hipoteca. Para poder se recuperar comprava gado na Argentina e levava para o Uruguai. Sem dúvida era uma homem de fortes convicções e muita força. Era vastamente reconhecido por ter tido a valentia de abandonar tudo para lutar por um ideal. Este abuelo no tuvo participación activa en política en territorio uruguayo.”

Ulysses Revervel casou, a primeira vez, a cinco de dezembro de 1869 em Santana do Livramento, com Laurentina Silva, nascida em 1846 em Artigas e falecida em 1883 também em Artigas. Deste casamento teve uma filha chamada Adélia. Viúvo, casou a segunda vez com Amanda Silva, nascida a 22 de outubro de 1869 em Quarai, tendo falecido em Artigas a 1º de fevereiro de 1941.
Interessante assinalar que a segunda mulher de Ulysses era filha da primeira.


Ulysses Revervel faleceu na Estância do Cuaró, em Artigas, a 24 de março de 1915, com 68 anos de idade. 


                 "A Escondida", estância de Ulysses Pereira Reverbel em Cuaró.  



Fontes: 

SILVEIRA, Gustavo Py Gomes da. "Os Reverbel", Porto Alegre, Edições Caravela, 2012. 184 p.
           
AXT, Gunter; MARTINS, Hélio Leoncio; COSTA, Milena Cardoso. "Diário e Correspondências do Almirante Saldanha da Gama:  Luiz Felipe de Saldanha da Gama",  Porto Alegre, Edição Sulina, 2009. 200 p.