Desde o mais longínquo passado, os homens contemplam as
estrelas. Representações de constelações foram encontradas em vários sítios pré-históricos
espalhados pelo mundo.
De fato, não é surpreendente que os homens tenham-se
fascinado pelos céus. Todos nós experimentamos esse entusiasmo de nos sentirmos
parte do cosmos quando olhamos um céu estrelado. Os padrões aparentemente imutáveis
desenhados pelas estrelas e a sua aparição regular no céu ao longo do ano, em
contraste com os fenômenos sempre em mutação da Terra, constituíram tanto um
refúgio, quanto uma referência para os seres humanos.
Os padrões atribuídos às estrelas mais brilhantes
visíveis no céu são, claro, fruto da imaginação humana. Não somente o
significado mitológico, mas até mesmo a maneira com que as linhas imaginárias
são desenhadas entre as estrelas podem diferir de uma cultura para outra.
No Rio Grande do Sul, os gaúchos tem profunda afeição
pelo Cruzeiro do Sul, que dá a
sensação de que o estado recebeu uma faixa a meia-espalda, como uma premiação
da natureza. Queridas dos gaúchos, em especial dos saudosos da querência, são
as Três Marias, que sempre unidas, na
disposição de um coração, irradiam suas luzes candentes, iluminando as
estradas. Mas, indubitavelmente, a grande companheira do gaúcho é a Estrela D’Alva, conhecida carinhosamente
pelo sulino como Estrela Boieira,
guia inconteste dos boiadeiros.
Essa estrela surge no horizonte ao anoitecer, acompanhando
os carreteiros que buscavam os chamados “pousos”. Nas longas jornadas; água na
cacimba para os bois e cavalos de montaria, atar os bois no pasto, preparar um fogo
de chão, um churrasco, uma cama de pelegos sobre os arreios. Os pingos espreitavam
atados nas chavelhas das carretas, sobre o lume da estrela boieira. Era a fiel companheira
na lida com os bois. O carreteiro dormia e a estrela boieira recolhia-se ao seu
infinito. Na madrugada, sob a cantiga dos galos, ao longe, na retomada das
lidas do carreteiro ou tropeiro, surgia no horizonte a assídua companheira. No
nascente, como a preludiar o nascimento do sol. Sempre alva, como o pensamento
de cuidado das mães ausentes.
A Estrela Boeira (na verdade, Planeta Vênus) foi e é tão importância histórica e
culturalmente para os rio-grandenses, que se transformou num dos símbolos do tradicionalismo
gaúcho e foi eternizada através da música de mesmo nome, através dos versos do
cantor e compositor gaúcho Telmo de Lima Freitas:
“Estrela boieira, sinuelo da noite/Que mostra ao tropeiro
o rumo a seguir/A noite se prancha nas barras do dia/E a estrela boieira começa
a sumir. Se muda pra outra invernada do fundo/Sem deixar o rastro pra onde se
foi/O dia já claro, o tropeiro canta/Ao som do mugido da tropa de boi. Os
bichos do campo festejam o dia/Quebrando o silêncio do amanhecer/O tropeiro
canta sua toada tropeira/Lembrando a boieira do seu bem-querer”.
O tempo passou e os novos meios de transporte acabaram
sepultando as carreteadas e tropeadas. Porém, a admiração do gaúcho pelas
estrelas permaneceu inabalável, que elas até hoje lhes servem de referência.
Lamberty, Salvador Fernando. “ABC do Tradicionalismo
Gaúcho”, Martins Livreiro, 1989.146 p.
Nenhum comentário:
Postar um comentário