Antigamente, os
peões campeiros passavam o dia inteiro de botas e, somente ao pôr do sol, ao
chegar das lides do campo, é que as tiravam e calçavam um par de alpargatas.
Lavavam as mãos e o rosto em pequena bacia de ferro ou alouçada, colocada em
cima de um cepo; ao lado havia a toalha para enxugarem-se. Isso feito
chegavam-se para a beira do fogo, no galpão, para tomar chimarrão. Se estivesse
muito quente o dia, ficavam do lado de fora do galpão, sentados em pequenos
bancos ao luar ou clarão das estrelas, tomando mate até ouvirem o sinal
chamando-os para a janta. Depois de comerem, ainda retornavam pra mais um mate.
O peão de tropa
passava o dia todo de botas calçadas; somente as tirava à noite para dormir. E
isso o fazia à beira da cama de arreios. Ao acordar, a primeira coisa que fazia
era tornar a calçá-las. Não usava aliviar os pés com o com uso de alpargatas,
mesmo que durassem vários dias a tropeada, durante a qual nem pensava em lavar
os pés, principalmente se fosse inverno.
Havia o peão que
trabalhava a pé, fazendo de alpargatas ou mesmo descalço, serviços como de
capina na lavoura, de quebra de milho, de aramado e outros. Estes largavam o
serviço ao entrar do sol e vinham para o galpão. Costumavam de chegada lavar os
pés, sentados em um banco baixo, junto a um cocho de pedra que tinha um pouco
d'água. Com auxilio de um sabugo de milho ou de caco de telha de barro, mesmo
sem sabão, esfregavam os pés, especialmente os calcanhares. Sem enxugá-los calçavam
as alpargatas. Lavavam a seguir mão e rosto e reuniam-se aos companheiros na
roda do mate amargo. Juntos todos, sem distinção, cada um contava seus feitos,
dificuldades ou gauchadas na faina do dia.
Entre 10 e 11
horas tratavam de arrumar a cama para dormir, no verão ao relento, tendo como
teto as estrelas. Madrugada grande, aí pelas quatro horas e meia, já estavam de
pé, tomando chimarrão. Dormiam com a roupa do corpo, tendo o chapéu a cobrir-lhes
o rosto. A cama, a que davam o nome de "tarimba'', duas tábuas unidas por
dois listões, era colocada no chão.
Alguns tinham
cama tipo de vento, com pés altos e cruzados em forma de um X. Chamada de “catre”,
tinha o leito feito com tábuas tiradas de uma velha barrica; havia catre inteiramente
forrado de couro cru. Sobre a tarimba ou sobre o catre, estendiam os arreios,
tendo como colchão a carona e os pelegos; o serigote servia de travesseiro.
Usavam como coberta o pala ou nada, se fosse noite de verão. No inverno,
tapavam-se com o poncho ou com a capa.
Os peões
passavam a semana inteira com a mesma roupa do corpo, que era mudada aos
sábados de tarde, se conseguiam dispensa do serviço ou aos domingos.
No geral, os
gaúchos tinham só três mudas de roupa: uma no corpo, outra na lavadeira e uma
terceira de reserva. Esta última a guardavam em um baú, ou caixão ou pendurada
em rústico cabide de madeira ou em pregos cravados na parede. Junto com essa
muda de reserva estava o lenço de pescoço, o chapéu, um par de botas, uma
guaiaca e, às vezes, um casaco. Era para passeios, bailes, dias de festa e de
carreira.
A bombacha era
de uso geral. Não usavam calça alguma, nem para dias festivos ou para ir à
cidade. Os mais pobres só tinham duas mudas e para mudar de roupa no fim de
semana precisavam ir à casa da lavadeira pegar a roupa lavada. Logo depois iam
à sanga tomar um banho e vestir a roupa limpa. Pegando a suja, voltavam à casa
da lavadeira onde a deixavam para lavar. Nos próximos domingos repetiriam a
manobra.
A lavadeira,
além de lavar e passar a ferro, tinha o cuidado de pregar algum botão e de
remendar o que fosse necessário. Havia gaúcho tão mal de roupa que, por
economia, ou falta de sabão e para não pagar lavadeira, ele próprio aos
domingos ia lavar e pescar no arroio. Nessa ocasião, aproveitava para lavar sua
única muda de roupa, secando-a ao sol enquanto tirava algum peixe. À tardinha
apresentava-se na fazenda vestindo a mesma roupa, porém limpinha.
O peão antigo
não gostava das comodidades do homem da cidade que muda de roupa para dormir,
tem cama de colchão macio e troca seguido de camisa e roupa de baixo. A falta
dessas comodidades não lhe fazia "bater a passarinha", isto é, não lhe
incomodava e nem causava inveja. O gaúcho do passado embora toda a falta de
conforto, sempre se mostrava no serviço de cara alegre e de boa disposição.
Fonte:
Gonçalves, Raul
Annes. "Mala de Poncho – Reminiscências e Costumes Campeiros", Porto
Alegre, Martins Livreiro, 1987.89 p.
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