terça-feira, 23 de agosto de 2016

O DUELO DO COMBATE DAS TRAÍRAS

A Revolução Federalista de 1893 foi uma das mais violentas da América, com episódios que ressaltam o valor e o destemor das legiões envolvidas. Um deles foi o que aconteceu em 6 de novembro de 1894, no município de Bagé, próximo ao Arroio das Traíras, no distrito de Palmas.
Surpreendido com 230 soldados em campo aberto, numa coxilha de um quilômetro de extensão, reta como uma gigantesca mesa de bilhar, o tenente-coronel Cypriano Ferreira, legalista, resolve adotar o quadrado inglês de infantaria para enfrentar os 450 maragatos de cavalaria, comandados por José Bonifácio da Silva Tavares, “Zeca Tavares”, começando a luta sobre a referida coxilha.
A cavalaria maragata é intrépida e, não menos bizarra, a infantaria legalista.
Os quadrados ingleses dos pica-paus quase não resistiam às repetidas cargas de cavalaria, investidas impetuosamente, pela ousadia dos maragatos, com grandes perdas de lado a lado. Para resistirem, começaram a recuar em direção à casa da estância de Antônio Vieira, a pouco mais de um quilômetro da mencionada coxilha. Na retirada estratégica dos quadrados, intensificaram-se as cargas revolucionárias e, os corpos abatidos pelas lanças eram, imediatamente, substituídos, mantendo-se intacta a integridade dos quadrados.
Ao entrincheirarem-se na casa, o combate se intensifica de tal forma que os combatentes se lanceiam através de portas e janelas e, naquele alarido infernal do “bate-boca atrevido dos facões”, quando se batiam com o mais denodado valor e com cego fanatismo, alguém, pica-pau ou maragato; aquele, de dentro da casa e este, no pátio da estância desafia para uma peleia corpo a corpo.
Todos os conflitos de gaúchos aconteciam com a arma branca e, de ordinário, submetidos a certos códigos de honra e sem interferência de parceiros ou estranhos. Assim, por um instante, cessa o combate e todos se concentram no espetáculo que está por acontecer.
O capitão maragato de sobrenome Sagaz, de lança, e o alferes pica-pau, Manuel Lourenço, de sabre, se jogam ao pátio da estância e, estão frente a frente, negaceando-se e brandindo as armas com prodigioso e sinistro malabarismo, enquanto espiam, com olhos felinos, o menor descuido do adversário para buscar um espaço favorável na peleia.
O choque de seus “talheres”, enerva os expectadores com sua estranha voluptuosidade. Na refrega buscam inspiração de uma manobra para vencer o rival e zeloso competidor da fama e da glória.
Ambos, postados em guarda ou no ataque, mantinham a elegância de uma postura varonil, sem perder a harmonia de homem valoroso ao retroceder sem fugir do combate.
Os dois, com bravura sem limites, se matam, retalhando-se horrivelmente, com a altivez crioula que os conduziu, irremediavelmente, para a morte ! Morreram, com a morte merecida, com a morte dos guapos, como centauros invictos !

Fonte: LOPES, João Máximo. “Habilidades Campeira nas Guerras do Sul”, Camaquã, Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã, 2012. 125 p.

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