quarta-feira, 30 de julho de 2014

OVO GUACHO


Por ocasião da campanha do Paraguai, veio do Norte, como é sabido, a maior parte das valentes infantarias que com tanto heroísmo se assinalaram naquela guerra, e com as quais Osório tanto se glorificou, a par das cavalarias gaúchas. Gente completamente bisonha do ambiente sulista, era muito interessante notar-se as apreciações que faziam do meio e hábitos do Rio Grande. Alguns soldados de regresso à Bahia, após a guerra, perguntados que tal era o Rio Grande, respondiam:

- Não vale nada, é uma terra onde só se come carne, carne e mais carne!

- Outros, pelo contrário, exaltavam o valor dos cavalarianos (como chamavam as cavalarias), dizendo:

- Que gente! Você não faz ideia! Era a nossa confiança nas batalhas!

No Rio Grande é comum o avestruz. Chega mesmo quase ao terreiro das fazendas. Mas, ao observar qualquer movimento estranho, desconfia e afasta-se para lugares recônditos, não sento visto. Ao aproximar a época da postura, o avestruz faz seu ninho numa cova de touro, nela pondo alguns raminhos silvestres e ali depositando cerca de trinta e poucos ovos. Em geral, põe mais de uma vez no mesmo ninho.

Ema (espécie semelhante ao avestruz)
 
 
Antes da incubação, o avestruz põe uns dois ou três ovos nas imediações do ninho, esparsos.
No Rio Grande são conhecidos tais ovos pelo termo “guacho”, palavra que se aplica ao terneiro ou potrilho que logo após nascer fica órfão de mãe, em geral são criados pela caridade de alguém da fazenda e quase sempre, com muito carinho. Os ovos guachos tem uma finalidade muito interessante. O avestruz, quando desova leva os filhotes a um deles, quebra-o com a pata e por já se acharem podre exalam um fétido terrível, juntando por isso enorme quantidade de moscas que servem de alimento aos avestruzinhos durante os primeiros dias.
Por ocasião da travessia de tropas de infantarias pelo Rio Grande, rumo a Uruguaiana, de alguns batalhões em descanso saiu a passeio, em torno, um grupo de soltados baianos. Casualmente depararam com um ovo guacho. Formaram em redor grande celeuma! Uns duvidavam que fosse ovo, outros afirmavam que não podia ser outra coisa, e assim prolongaram a discussão até que avistaram um companheiro, que já tendo estado em serviço nas guarnições do Rio Grande anteriormente, se arrogava o direito de superioridade sobre os outros, inculcando-se, também, sabedor de tudo o que dizia a respeito ao Rio Grande. Chamaram-no em altas vozes e por gestos, e João José (que era seu nome) foi ter com os camaradas. Em chegado, ouviu logo as opiniões diferentes sobre o ovo e o apelo que lhe faziam sobre os seus conhecimentos das coisas do Rio Grande. Ele que nunca tinha vista tal coisa, e nem sequer tinha uma concepção do avestruz, formalizou-se e, sem querer dar o braço a torcer, tomou ares de juiz e sentenciou com o ovo na mão e com o braço estendido em suave movimento:
- Ele ovo é, mas não é de ave de pena! ... Pelo peso e pelo grandor é de boi ou de cavalo!...
 
Fonte:
AZAMBUJA, Bento Martins de. “Recordações Gaúchas”, Curitiba, Imprimax Ltda, 1969. 102 p.
 
 

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