Quando, em 1828, Osório estava servindo como 2º tenente no 5° Regimento de Cavalaria em Rio Pardo, criado como “Dragões do Rio Grande do Sul”, mas que se consagrou na história como “Dragões do Rio Pardo”. Houve durante uma parada, um desfile militar, que impressionava e atraía a admiração da população da Vila de Rio Pardo.
Os jovens oficiais encantavam com sua farda azul: túnicas com dragonas, fechada por um carreiro de botões numa faixa amarela, assim como os punhos; calções até os joelhos, botas polidas, espadim ao lado, capacete adornado de um penacho do qual saía o cabelo comprido, amarrado por uma fita. Eram moços ardorosos, elegantes, faceiros, determinados a morrerem pelo seu Deus, pela Pátria e por sua amada. Foi esse o ambiente que Osório encontrou em meio à oficialidade solteira, precedido pela fama de herói de vários combates e de uma batalha. Destacava-se ainda, pela elegância do seu porte másculo, atraente e persuasivo, com sua veia poética brotando liricamente do seu cérebro privilegiado.
Vivia Rio Pardo suas horas de ufania, horas de evocações gloriosas. Dizia o dragão: “Tudo aqui é velha história, poeira de mortos que o nosso pé levanta em cada passo”.
Assim era Rio Pardo, “Ninho de Águias”. Primeira praça militar do interior do Rio Grande do Sul, berço histórico das tradicionais famílias rio-grandenses.
Chegou o dia da grande parada militar. De súbito ouve-se o toque de cornetas, o rufar dos tambores, o som ecoante dos sinos da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Eis que surge o esquadrão de lanceiros, conduzindo suas bandeirolas tremulantes como um “bando de borboletas vermelhas”, refletindo ao sol, avançando num trepidar de cascos, num palpitar de crinas. A multidão emocionada explodiu de admiração e lenços esvoaçaram, drapejando, numa demonstração de orgulho pátrio aos dragões que passavam, garbosos, no seu fardamento de cores vivas, fisionomias queimadas, destros nas selas.
Ali, vinha o tenente Osório, o jovem guerreiro, estampa hercúlea, expressão serena, aberto de placidez e bondade. Sobressaía-se majestoso, pela sua jovialidade dos 20 anos. Cavalo e cavaleiro, numa atitude airosa, galhardo, expandindo júbilo de orgulho jovial. Anna penetra na sua alma jogando-lhe uma flor que trazia no bico do pequeno decote. Para ela, o moço ambicionaria amor. Anna estava toda vestida de branco, e Osório prendeu sua imagem suave, num relampejar de olhos: esbelta, risonha, beleza incomparável, olhos negros, transluzentes, bailando na retina.
Passou o desfile dos bravos, expoentes da varonilidade da Pátria, acolhidos com ovações entusiásticas pela multidão que aplaudia os estandartes dos dragões em desfile memorável.
O tenente Osório guardara as feições daquela jovem de atraente formosura que enlaçara seu coração à primeira vista. Para ele, a joia de Rio Pardo.
E aconteceu o baile animado desde o primeiro momento e dançavam, aos sons dos instrumentos, as mazurcas tremidas, as havaneiras balanceadas, as polcas de relação, as polcas de damas e o ritmo das valsas em espiral volteavam e rodopiavam os pares.
Osório dançava com Anna. Esse era seu nome, coincidentemente, o nome da sua mãe. Dançavam de par efetivo, ela, com seus 17 anos, airosa e leve como uma pluma. Viviam os dois o seu primeiro amor. À meia-noite, como de costume as moças mudavam de vestidos, moda que chegou até os anos de 1930/40.
Presente ao baile, o Marechal de Campo, Sebastião Barreto Pereira Pinto, comandante das armas, herói da Batalha do Passo do Rosário e padrinho de Anna.
A paixão invadiu e tomou conta dos corações daqueles jovens. Mais, era um deslumbramento aquele amor, um desabrochar inquietante de um sentimento espontâneo e sério. Osório e Anna se amavam verdadeiramente.
Osório e Anna se amavam verdadeiramente. Mas os seus pais não faziam gosto e proibiram-na de se encontrar com Osório. Em vão. Não permitiria - diziam - que um tenente que só ganhava 25 $000 mil réis pudesse casar com sua filha de família abastada. Se ela insistisse, eles conseguiram que seu padrinho, comandante das Armas, destacasse Osório para bem longe, na fronteira.
Fora, então, o tenente Manoel Luís Osório transferido para um ponto de guarda na fronteira de Quaraim. Todavia, a grande paixão e o pesar de perder seu grande amor, afloraram em sua poesia, que a chamou “Lília”, deixando-lhe de despedida, estes versos:
“Por entre o fado escuro,
Que a minha paixão se lança.
Eu vou perdendo a esperança
Entre as sombras do futuro:
Constância, ó Lilia, eu te juro
Mas fora melhor não ver-te,
Quisera não conhecer-te,
Por ti não sentir paixão,
Porque no meu coração,
Já sinto a dor de perder-te”.
O tenente Osório no seu destacamento solitário de Quaraim, (Barra de Quarai) continuava a escrever para a sua Lília. Na casa desta, em Rio Pardo, uma escrava mexendo nas gavetas do seu toucador encontrou as cartas, levando ao conhecimento do seu senhor. Como eram pais possessivos trataram logo de fazê-la casar com um parente endinheirado. E, quando algum amigo íntimo tentava interceder em defesa de Anna, eles respondiam: -“Queremos que Anna se case bem. O que lhe pode dar esse tenente Osório? Martírio e pobreza. Lucro único que aufere a mulher que casa com soldado. Mandaram-lhe fazer um enxoval luxuoso com a intenção de satisfazer sua vaidade e apresentá-la à sociedade com o mais apurado requinte”.
Osório desolado, no seu posto longínquo, dava evasão à saudade, escrevendo poesia à sua Lília:
"Perde o tempo à negra ausência
Trabalha o ciúme em vão;
Não há tormento que apague
A minha ardente paixão”.
Passaram-se os meses e o tenente Osório não recebia notícias de Anna. Sentado à porta do seu rancho de palha, viu um vulto se aproximar a cavalo. Ao chegar, ficou sabendo tratar-se de um chasque enviado por sua apaixonada. O próprio passou-lhe às mãos uma carta, que trazia enrolada em panos. Osório abriu-a e leu. Era de Anna. Nessa missiva, ela narrava às peripécias que estava vivendo, obrigada a casar com quem não amava, que só ia lhe trazer infelicidade e terminava suplicando-lhe:
“Se me amas, vem buscar-me; fugirei contigo. Acompanhar-te-hei para qualquer parte do mundo. Não tenho outro meio de evitar essa violência que me parece realizar-se de um momento para outro. Atende. Não demores. Não demores que podes chegar tarde. Ou o teu amor, ou a morte por quem chamo todos os dias, no meio das muitas desventuras”.
Ao terminar a leitura, Osório observou que a data estava atrasada de mais de mês. Perguntou ao portador a razão da demora. Explicou que adoecera no caminho pelas alturas da atual Cacequi; e como trazia ordem de entregá-la pessoalmente, teve de esperar melhorar sua saúde.
Osório tinha a percepção aguçada e logo lhe veio o pressentimento que chegaria atrasado ao chamamento de Anna. Na mesma tarde, fez voltar o portador com uma carta avisando-lhe que o esperasse, incluindo a poesia abaixo:
“Aperta amorosos laços
Em vez de chamar a morte,
Muda a minha infeliz sorte.
Chama teu bem, dá-lhe os braços”.
Mas não se conteve. Passou o comando do pelotão ao seu substituto e seguiu para Rio Pardo, acompanhado por dois soldados levando cavalos de muda. Não se enganara. Chegara tarde. Anna, sua Lília querida estava casada. Frustrado e triste regressou ao seu posto, curtindo sua dor, a pior, aquela que lanha a alma com a lâmina do amor ferido.
Anna durou poucos anos. Quando lhe foram amortalhar, descobriram uma tatuagem na epiderme do lado do coração, feita por uma sua mucama com as inicias: ML.
FONTES:Figueiredo, Osório Santana. “General Osório – O Perfil do Homem”, São Gabriel, Pallotti, 2008. 216 p.