segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Livro "Mistérios da Noite - Causos de Assombrações"


                               Capa do livro "Mistérios da Noite - Causos de Assombrações"
Quem nunca escutou, pelo menos, uma vez na vida, algum causo de assombração? Histórias essas repletas de personagens assustadores, que nos faziam viajar no mundo imaginário e, muitas vezes, ficavam encruados em nossa memória ao ponto de habitarem nossos sonhos por várias e várias noites, nos causando indesejáveis pesadelos. Ou, quem sabe, tenha sido na adolescência, ao assistir algum filme de assombração ou, ainda, ao ler um livro de mistério? Ou, o simples depoimento de pessoas próximas de seu convívio: avós, pais, tios, amigos... Pessoas que têm um papel importantíssimo na sociedade, pois transmitem fatos e acontecimentos, que são passados de geração em geração, ajudando, assim, a manter viva a cultura oral de nosso povo.
(foto Jéssica Pacheco)
  O livro, possui 88 páginas, com fotos em preto e branco, no formato 14x21
 
            E foi, justamente, com esse intuito, que escrevi “Mistérios da Noite: Causos de Assombrações”, onde faço relatos de histórias interessantes que aconteceram em nossa região e grande parte deles, com fotos correspondentes ao cenário de cada causo. Todos registrados com nome de quem contou, data, horário e local. Transmitindo dessa maneira, fidelidade e, acima de tudo valorizando as pessoas que contribuíram para a realização desta obra.
                          Entrevista realizada durante o lançamento do livro, na 17ª Feira do Livro de Bagé
                                                              (mediador Marcelo Rivelino da Silva)


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

RANCHOS DA CAMPANHA GAÚCHA

                                               Rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

Mesmo estando praticamente extinto, esse tão original tipo de moradia alcançou grande importância em nosso meio com nítida predominância até a década de 1940, o que pode ser comprovado pelos numerosos sinais dessas taperas que ficaram salientes sobre o verde de nossos campos e o testemunho das cacimbas que ainda permanecem em sua maioria lacrimejando vertentes e saudades ratificando o nome deste lugar.

                                         Rancho, "Serra da Hulha", Hulha Negra-RS

Os ranchos podem ser de torrão, pau-a-pique ou quincha. Para a sua construção, a madeira, o santa-fé ou macega e a taquara eram cortados na lua minguante e nos meses que não possuem a letra R em seus nomes, preferencialmente, maio e junho. As leivas ou torrões eram retirados da beira das várzeas onde o solo é mais consistente e a grama mais densa, dando assim, maior durabilidade às paredes. Antes de começar a erguer as paredes de torrão, era feita uma armação com taquaras ou madeira de mato para manter o lugar certo as portas e janelas sendo que, para o quarto das moças, eram feitas janelas bem pequenas de forma a não permitir que um homem encontrasse espaço para ultrapassá-las. Depois de acertada essa estrutura, começava a construção das paredes com os torrões colocados uns sobre os outros e o pasto voltado para o lado de cima; esse material era transportado sobre rastas em forma de forquilha e puxadas por bois. Levantadas as paredes de altura variada com mais ou menos 0,60 cm de largura e com muito capricho, precisava fazer a armação ou o madeiramento para receber a quincha; muitas vezes essa estrutura composta por caibros, linhas, pontaletes, tesouras, esteios, etc, era amarrada com fortes tentos, bem molhados, de couro de cavalo ou vacum.

                                          Rancho, "Serra da Hulha", Hulha Negra-RS

 Até o final da década de 30, havia um galpão de torrão na propriedade do Sr. Lourival Figueira próximo ao Cemitério da Guarda que ainda apresentava o madeiramento amarrado com couro de cavalo.

As linhas, tesouras, caibros, etc... eram confeccionados com madeira de mato e taquaras para segurar e amarrar a quincha que, por sua vez, era feita com santa-fé ou macega cortados uns tempos antes para que estivessem murchos ou no ponto certo para não afrouxar os pontos da quincha.

Concluída essa etapa, chegava à vez de barrear (rebocar) internamente a morada o que era feito com barro bem sovado ao qual adicionavam um pouco de esterco para dar melhor liga; havendo disponibilidade, usavam saibro de diversas cores (vermelho, amarelo, cinza, etc...) para barrear cada peça do rancho ficando, dessa forma, como se tivessem sido pintadas cada uma de uma cor diferente. Concluído o serviço de barreamento, eram colocados os baldrames para segurar os pisos que eram feitos com terra de cupins bem molhada e socada. Geralmente de cupiá (declive em guarani) as quinchas eram de escada ou penteada e, para amarrá-las interna e externamente, o apoio de madeira fina de mato, taquaras ou arame preto. Em cada canto de parede usavam fazer uma pequena cerca de pau-a-pique ou cravar um moerão de média altura para proteger as mesmas dos animais domésticos que acabam danificando a edificação ao esfregarem-se para se coçar.

Rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

Terminada a etapa da construção do rancho, colocadas as portas, as janelas, feitas a partir de tábuas de caixas de sabão, velas, etc... e mais, primitivamente de couros, o próximo passo era emparelhar as paredes pelo lado externo com um pá de corte bem afiada. As fechaduras mais comuns para as aberturas dessas edificações eram as “tramelas”, tentos e trancas assim como, para as dobradiças, em geral era usado o couro. Havia muitos ranchos que eram barreados pelo lado externo também e, nesses casos, os proprietários mais caprichosos ou com melhores condições, pintavam seus ranchos com cal misturado a resina de tuna servindo como fixador de ótima qualidade.

Rancho, "Corredor Internacional", Aceguá-Uruguai


Uma peculiaridade interessante dos ranchos, é que as cozinhas eram construídas separadamente, isto é, um prédio exclusivamente para abrigar aquelas dependências, graças ao grande risco de incêndio nos dias de ventos fortes; em muitos casos, as chaminés eram edificadas com pedras sentadas em barro para prevenir esses sinistros.

                      Cozinha construída separadamente, rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

O rancho de pau-a-pique, em linhas gerais, obedece ao mesmo método de construção no que diz respeito ao madeiramento, à quincha e ao piso com a fundamental diferença de que, neste, o madeiramento é apoiado em esteios e as paredes são feitas de madeira de mato ou taquaras dispostas verticalmente encostadas uma na outra e, no sentido horizontal e a uma distancia média de ½ palmo, um par de varas ou taquaras (uma pelo lado interno e outra pelo lado externo) colocadas na mesma altura para tornar possível a amarração dessas madeiras ou taquaras com arame, couro ou embira. Essas paredes uma vez concluídas, eram caprichosamente barreadas pelos dois lados adquirindo com isso, uma resistência e durabilidade extraordinárias.  

Outros materiais serviam para a construção de paredes de ranchos, galpões, abrigos, etc... Chamados por alguns de ranchos de quinchas, querendo denominar as moradias cujas paredes eram ou são feitas de chirca, santa-fé, mata-olho, vassoura vermelha, etc... Nesse caso, é indispensável o barreamento (reboco) bem feito pelos dois lados das paredes exceto no caso de galpões e outras dependências não destinadas a residir. A técnica de construção obedece grande semelhança às paredes de pau-a-pique; os materiais citados em posição vertical amarrados por taquaras ou varas finas colocadas horizontalmente para o amarramento.


Completavam o cenário dessas rústicas moradias, um galpãozinho de pau-a-pique sem barrear, um forno, uma ramada, a lenheira, um palanque na frente, uma mangueira de pau-a-pique, o varal para o charque, uma eira, um pesado tronco de árvore sobre o chão para atar baguais, um galinheiro, um chiqueiro para porcos, uma ferradura na porta da frente para dar sorte, um pé de arruda, um jasmineiro, cinamomos e umbus em cuja sombra uma pedra de afiar, a pipa d’água e uma estância de gado de osso. Pendurada na sala uma figa esculpida de uma guampa de tamanho regular que servia também de vaso para colocar algumas flores de jasmim, galhos de arruda enfeitando e aromando o ambiente.
Galpãozinho, anexo ao rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

                  Sr. Basilício, 86 anos, em frente ao seu rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

O texto acima apresentado não tem nenhuma pretensão de ser um tratado completo sobre os tipos de ranchos da nossa região, nem sobre a diversificada técnica de suas construções, mas sim, uma breve síntese que tem o objetivo de fornecer alguns subsídios elementares sobre o assunto.

Nos “Olhos D’água”, interior de Bagé, existiram muitos quinchadores de ranchos dentre os quais podemos citar: José Martins, Filadelfo Porcelis, Hermenegildo Delgado, Julio Porcelis, etc...

Conforme relatório técnico da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 1984, o rancho é a melhor moradia para o ser humano em qualquer região do mundo, por ser totalmente orgânico e térmico e por essa razão, não apresentar nenhum risco a saúde das pessoas ao contrário de vários materiais usados atualmente para as construções de alvenaria que, comprovadamente, são cancerígenos. 

FONTE:

MATTOS, Eron Vaz. "Aqui – Memorial em Olhos D’água", Bagé, Gráfica CECOM, 2003. 210p.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

OVO GUACHO


Por ocasião da campanha do Paraguai, veio do Norte, como é sabido, a maior parte das valentes infantarias que com tanto heroísmo se assinalaram naquela guerra, e com as quais Osório tanto se glorificou, a par das cavalarias gaúchas. Gente completamente bisonha do ambiente sulista, era muito interessante notar-se as apreciações que faziam do meio e hábitos do Rio Grande. Alguns soldados de regresso à Bahia, após a guerra, perguntados que tal era o Rio Grande, respondiam:

- Não vale nada, é uma terra onde só se come carne, carne e mais carne!

- Outros, pelo contrário, exaltavam o valor dos cavalarianos (como chamavam as cavalarias), dizendo:

- Que gente! Você não faz ideia! Era a nossa confiança nas batalhas!

No Rio Grande é comum o avestruz. Chega mesmo quase ao terreiro das fazendas. Mas, ao observar qualquer movimento estranho, desconfia e afasta-se para lugares recônditos, não sento visto. Ao aproximar a época da postura, o avestruz faz seu ninho numa cova de touro, nela pondo alguns raminhos silvestres e ali depositando cerca de trinta e poucos ovos. Em geral, põe mais de uma vez no mesmo ninho.

Ema (espécie semelhante ao avestruz)
 
 
Antes da incubação, o avestruz põe uns dois ou três ovos nas imediações do ninho, esparsos.
No Rio Grande são conhecidos tais ovos pelo termo “guacho”, palavra que se aplica ao terneiro ou potrilho que logo após nascer fica órfão de mãe, em geral são criados pela caridade de alguém da fazenda e quase sempre, com muito carinho. Os ovos guachos tem uma finalidade muito interessante. O avestruz, quando desova leva os filhotes a um deles, quebra-o com a pata e por já se acharem podre exalam um fétido terrível, juntando por isso enorme quantidade de moscas que servem de alimento aos avestruzinhos durante os primeiros dias.
Por ocasião da travessia de tropas de infantarias pelo Rio Grande, rumo a Uruguaiana, de alguns batalhões em descanso saiu a passeio, em torno, um grupo de soltados baianos. Casualmente depararam com um ovo guacho. Formaram em redor grande celeuma! Uns duvidavam que fosse ovo, outros afirmavam que não podia ser outra coisa, e assim prolongaram a discussão até que avistaram um companheiro, que já tendo estado em serviço nas guarnições do Rio Grande anteriormente, se arrogava o direito de superioridade sobre os outros, inculcando-se, também, sabedor de tudo o que dizia a respeito ao Rio Grande. Chamaram-no em altas vozes e por gestos, e João José (que era seu nome) foi ter com os camaradas. Em chegado, ouviu logo as opiniões diferentes sobre o ovo e o apelo que lhe faziam sobre os seus conhecimentos das coisas do Rio Grande. Ele que nunca tinha vista tal coisa, e nem sequer tinha uma concepção do avestruz, formalizou-se e, sem querer dar o braço a torcer, tomou ares de juiz e sentenciou com o ovo na mão e com o braço estendido em suave movimento:
- Ele ovo é, mas não é de ave de pena! ... Pelo peso e pelo grandor é de boi ou de cavalo!...
 
Fonte:
AZAMBUJA, Bento Martins de. “Recordações Gaúchas”, Curitiba, Imprimax Ltda, 1969. 102 p.
 
 

segunda-feira, 21 de julho de 2014

ESTÂNCIA SÃO JOÃO, Candiota-RS

                                                     Sede da Estância São João

Em meados do século XIX Malaquias dos Santos Faria, agricultor e pecuarista no município de Piratini adquiriu os campos situados na região entre os arroios Candiota e Candiotinha e ali iniciou a sua vida. Trazia no espírito e no coração não apenas a experiência da saga vivida pelos seus ancestrais tinha, também, a vontade indômita de ali firmar raízes e de formar a sua família. Com dedicação e muito trabalho foi, paulatinamente, adquirindo as terras onde hoje está construída a sede da Estância São João. Malaquias era filho de Luis Manoel de Faria e de Eugênia Maria dos Santos e neto de Mariana e José de Faria Rosa, casal açoriano da Ilha do Faial.

Malaquias casou com Maria José Madruga, filha do fazendeiro Pereira Madruga formando uma estirpe de numerosa família. O mais moço de seus filhos João Leôncio de Faria foi o sucessor na propriedade de Candiota.

João Leôncio (Joca) casou com Brandina da Rosa Brisolara, nascida em Tacuarembó, filha de Pedro Brisolara e de Delfina Madruga da Rosa, brasileiros que emigraram para o Uruguai em cerca de 1860.

João Leôncio era conhecido na região como Coronel Joca Faria. Enganjou-se ao antigo Partido Republicano rio-grandense no qual participou ativamente, tendo sido conselheiro municipal (vereador) em Cacimbinhas em mais de uma legislatura.

Joca participou de inúmeros episódios políticos em Cacimbinhas tendo granjeado, graças a sua habilidade política, amplo apoio no partido e na comunidade, hoje denominada Pinheiro Machado. Certa feita a direção de seu partido enfrentou sérias divergências na escolha de um representante para a chefia política no distrito de Candiota, apresentado o nome do Coronel Joca Faria o impasse foi imediatamente resolvido, pois Joca teve a unanimidade dos votos. Fato que representa o quanto era querido e a importância da sua liderança. A Estância “São João” foi, nessa época, palco de inúmeras e importantes reuniões políticas na qual compareciam destacados políticos da região.

Sede da Estância sobre outro ângulo.

Joca Faria criava bovinos das raças Hereford e Holandes, ovinos Corriedalle e cavalos puros sangue inglês, alguns deles disputando em vários hipódromos do estado. De seu matrimonio com Brandina teve quatro filhos: Jenni, casada com Manoel Malafaia, Dinah, solteira; Eloah, casada com Oscar Brisolara e João Lyra de Faria, advogado formado em 1939 pela Universidade Federal do Rio Grande Sul que ingressou no Ministério Público em 1940 e exerceu suas funções em Pinheiro Machado, Canguçu, Rosário do Sul, Bagé e Porto Alegre. Aposentou-se no cargo de Procurador de Justiça. Cargo que ocupou por mais de dez anos atuando perante os Tribunais de 2ª. Instância. Quando esteve em Bagé, juntamente com vários outros colegas e professores, deu início ao curso que originou a Faculdade de Economia, a mesma da qual se originou a atual Universidade da Campanha.
João Lyra casou com Suely Dias de Castro Borges, filha única das tradicionais famílias Borges, de Pelotas e Dias de Castro, de Piratini, e tiveram três filhos:
- Álvaro Roberto, casado com a Pedagoga Arilcéia Teixeira, funcionária pública, pais de Clarissa, bacharel em direito.
- Maria Lúcia, casada com o Dr. Carlos Roberto Martins Brasil, advogado e pecuarista, pais de dois filhos; Luciano e Maria Cristina. Luciano é casado com Adalgisa Wiedemann Chaves, ambos promotores de justiça, pais de Luisa e João Pedro; Maria Cristina é advogada em Porto Alegre;
- João Luis casou em primeiras núpcias com Sonia Obino com quem teve a filha Roberta, casou em segundas núpcias com Cláudia Petry, advogada, com quem teve os filhos: Letícia, João Luis e Pedro Henrique.
Vista panorâmica da Estância São João

Enquanto esteve à frente da Estância “São João”, o Dr. João Lyra de Faria introduziu contínuas melhorias em sua sede e no sistema produtivo da estância. Com seu falecimento a propriedade passou a ser administrada por seu genro Carlos Roberto Martins Brasil.


Fontes: 

          
FONTES, Carlos; VIEIRA, Yara Maria Botelho. "As Estâncias Contam a História",  Santa Maria, Pallotti, 2005. 216p.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

“AVÔ GUERREIRO” – Quando a história vira música!


 José Vicente Corrêa

Texto e pesquisa: Diogo Corrêa

Até o momento da leitura do Jornal Correio do Sul (23 e 24 de julho de 2005), não tinha a menor ideia a respeito da vida de meu avô José Vicente Corrêa. Meu pai, Sylvio Corrêa, não era dado a comentários e dizia desconhecer os fatos, somente que, seu pai havia morrido em consequência de uma guerra  e que seus restos, haviam sido transladados para Bagé, algum tempo depois, por um genro, Plínio Azevedo e, sepultado no “Cemitério dos Azevedos”, na periferia da cidade. Após a leitura do trecho publicado abaixo, usei a expressão “EU TIVE UM AVO GUERREIRO”, que me inspirou a escrever a letra e consequente pesquisa para descobrir algo mais a respeito de meu avô. Após o relatado da Guerra do Paraguai, o estudo me levou a Revolução de 93 e por consequência a maiores informações, encontrei no Uruguai, inclusive a citação do “CLUBE DOS 21- ESTADO MAIOR DE JOCA TAVARES “, coisa que não ouvira e contemporâneos nossos não tinham conhecimento, visto que, a historiografia oficial não relata e a foto que ilustra a matéria, pertence ao acervo do Museu de Rivera no Uruguai, comprova, o General Joca Tavares e seus oficiais de Estado Maior e que, durante o cerco de Bagé, acamparam no local onde hoje é o Parque da Associação Rural.

AS PRIMEIRAS DÉCADAS DE BAGÉ

(Publicado no Jornal Correio do Sul, edição de 23 e 24 de julho de 2005- trabalho de pesquisa do Prof. Cláudio Boucinha, texto original de Jorge Reis, Ajudante do Procurador da República e Encarregado da Estatística Municipal).

No mesmo mez de agosto de 1866, marchou desta cidade, afim de incorporar-se ao 2º Corpo de Exército, o 12º corpo provisórios de cavallaria comandado pelo Tenente Coronel Antero Rodrigues Soares, que infelizmente morreu em S. Borja, não conseguindo chegar ao theatro da guerra. Faziam parte desta corporação como officiaes, distinctos e conspíscuos patriotas, a maior parte abastados fazendeiros e capitalistas, que com nobreza, rara abnegação e civismo, tudo abandonaram em defeza da pátria. 

Eis os seus nomes: 

Major Fiscal Faustino João Corrêa; 
Capitães José Corrêa da Silva Borba, Boaventura Gonçalves da Silva, Militão Goularte Pinto, João José Amado e Serafim Antonio Tarouco.

Subalternos: 

Tenentes Maximiano José Corrêa, Ignácio Alves Pereira, José Jacintho Fagundes, Bernardino José Vaz, Manoel José Amado e José Manoel Goularte, quartel mestre. 
Alferes Antonio Joaquim da Silveira, JOSÉ VICENTE CORRÊA (avô paterno de Diogo Corrêa), Noé José Machado, Leonel José Corrêa (avô materno de João Corrêa Dóglia), José Jacintho Pereira, José Luiz Costa Filho, secretario, Antonio Soares da Silva e Antonio Rodrigues Soares, porta estandarte.

Quase ao mesmo tempo, daqui marchou um esquadrão vindo de Cruz Alta ou Passo Fundo, commandado pelo Capitão Polycarpo Vidal de Almeida Pillar...

                                                       CLUBE DOS 21:
Legenda em espanhol (alto a direita da foto): Clube de los 21: Amigos y compañeros de Gomersindo y Aparizio Saravia em la Revolucion Federalista Brasilera, Francisco Cabeda, Rafael Cabeda (Livramento) y el Gral. Yoca Tavares (de la fusta) y Torquato Severo (D.Pedrito)...


Avô Guerreiro (Letra)


Eu tive um avô guerreiro que foi parceiro de Joca
Se a cada um lhe toca o que por destino escolheu
Por estes campos correu, por estas plagas porfiou,
Contra tiranos lutou por liberdade morreu...

Eu tive um avô guerreiro dos Clube dos Vinte e um,
Por esta causa comum de pelear pela querência
Marcando sua existência em outros pagos peleou
“A los gaúchos se hermano” lutando pela decência…

Eu tive um avô guerreiro que andou com Gumersindo.
Por andar indo e vindo, guerreando por este chão
Sem jamais abrir a mão do sonho de igualdade
Lutando por liberdade entregou seu coração...

Eu tive um avô guerreiro que lutou com Aparício.
Não mediu sacrifícios, defendendo a verdade
Contra a desigualdade sem jamais esmorecer
Pra morrer em Massoller, lutando por liberdade...

Eu tive um avô guerreiro, gaúcho de olhar franco,
No pescoço um lenço branco que nas peleias de terra,
Foi emblema de guerra e, hoje, par quem me visa,
No meu pescoço a divisa do branco que a paz encerra.

Esta música concorreu no Laçador do Canto Nativo de Porto Alegre (1ª edição) e na 35ª Califórnia da Canção em Uruguaiana, interpretada por Rainéri Spohr, com acompanhamento no violão solo de Guilherme Collares e violão base de Julio Froz.

Vídeo da música "Avô Guerreiro":







segunda-feira, 7 de julho de 2014

COMBATES SINGULARES: BENTO GONÇALVES X CAPITÃO "ISAÍAS GRANDE"


O General Bento Gonçalves, o maior espadachim de seu tempo com o testemunho de quem conviveu com seus filhos, o camaqüense Bento Martins de Azambuja (1869 - 1946), cujo nome recebeu em homenagem ao herói, autor de Recordações Gaúchas (1946), coletânea de artigos publicados no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro e outros jornais da época, obra rara, de pequena tiragem e distribuída no círculo restrito da família, trás ao conhecimento público esta raridade, ouvida na casa solar de Bento:

“ . . . Após o churrasco, dos fogões guerreiros, alguém, dirige a palavra a respeitável figura do General e informa-lhe que, nas forças do governo há um homem que faz muito mal aos farroupilhas, porque toda vez que são obrigados a uma retirada forçada, os companheiros que ficam para trás, de cavalos cansados, ele vem matando um por um, a lançassos.

- Quem é ele ?

- É o mulato “ Isaias Grande ”, (Isaias Antônio Alves) Capitão das forças do Coronel Francisco Pedro de Abreu. É o primeiro lanceiro das forças do governo.

- Pois bem, na primeira guerrilha mostrem-mo.

A oportunidade não tardou. Quando preparava-se para o combate, alguém vem a Bento e lhe diz apontando: o Capitão Isaias é aquele que lá está, montando um cavalo mouro e comanda um esquadrão de lanceiros.

Bento montava nesse dia o picaço Ibarrol, afamado parelheiro do velho Alberto José Centeno, seu compadre e amigo, que lhe mandara de presente, conduzido por um boçalete de fitas com as cores da República Rio-grandense.

Espada em punho, cavalo preso às rédeas, descreve um semi-círculo, passa pela frente do adversário audaz, e brandindo a espada, ameaçadoramente, incita-o ao combate. Isaias bem montado, cerra as esporas, enrista a lança e, cego de ódio, arremessa-se para Bento, contando segura a vitória por tomar o inimigo pelas costas. Mal sabia, entretanto, que as vantagens que lhe oferecera o foram propositadamente, para dar-lhe, dentro alguns segundos, a tremenda lição que merecia.

Bento espera pelas costas o golpe fulminante e ao lhe ser este desferido, em rápido movimento de corpo, desvia-o com a espada, deixando a lâmina correr sobre o cabo da lança decepando a mão que a segurava e, cortando, ao mesmo tempo, as duas rédeas do cavalo de Isaias e, fazendo seu cavalo retroceder sobre as patas traseiras, Bento toma agora, o adversário pelas costas e, o conduz a pranchaços até próximo de seu esquadrão.

Bento, como sempre, vencia o adversário, mas, poupava-lhe a vida.

FONTE:

LOPES, João Máximo. “Habilidades Campeiras nas Guerras do Sul”, Porto Alegre, Evangraf/Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã, 2012. 128 p.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

SILVEIRA MARTINS E O ESCRAVO DE SEU PAI

                                                          Gaspar Silveira Martins
                            (Quadro pertencente ao Centro Nativista Gaspar Silveira Martins)

O Dr. Gaspar Martins, nascido em Aceguá, no lado uruguaio, na estância de seu pai, Carlos Silveira, matriculou-se na Academia de Direito de São Paulo e, pelas férias, vinha sempre gozá-las, com a família, no lugar onde nascera...

Naquela época, ainda havia escravos, e seu pai possuía na estância um mulato que, embora bom campeiro e trabalhador, lhe dava muitos incômodos. Devido ao bondoso coração de seu amo e à autonomia de que gozava em suas lides campeiras, não se dava conta de que era escravo. Era-o, porém, perante a lei. Nascido naquele ambiente onde a liberdade se respira a largos sorvos, era de uma compleição física admirável, altaneiro e destemido. “Bom de laço”, domador e boleador, era um perfeito gaúcho.

                                                              Carlos Silveira
                                 (Foto gentilmente cedida pelo Jornalista Sidimar Rostan)


O incômodo que dava ao seu senhor e patrão era que toda vez ia tomar um trago “de cana en la pulperia” (venda-bolicho), tinha forçadamente de “pelear” com os “castelhanos”. Eram frequentes essas brigas, que muito desgostavam ao velho Carlos, porque, sendo muito respeitado pelos uruguaios, procurava corresponder essa atenção vivendo em paz com seus vizinhos.

O mulato, entretanto, era um empecilho a esse desejo. Seguidamente o estancieiro recebia queixa do comissário de polícia, dizendo que o seu peão havia provocado uma luta de que resultara – “hondos herimientos e largas contuziones”. Sempre que isso sucedia, o estancieiro mandava vir o mulato à sua presença e admoestava-o asperamente.

Cabeça baixa, chapéu na mão, o mulato não articulava uma palavra. De certo modo aquela humilde atitude sensibilizava o senhor, trazendo ao seu julgamento até circunstâncias atenuantes, como se fossem as de se achar ele sempre só naquelas lutas, além de não ter certeza de quem teria partido a provocação.

Esses fatos repetiam-se quase todos os meses. Uma coisa também impressionava o estancieiro... é que, a julgar-se pela descrição da “queixa”, as lutas deveriam ser muito fortes”... Mas o mulato jamais trazia delas qualquer vestígio!

Verdade seja que, contando aos companheiros, no galpão da estância as peripécias dessas brigas, ele arrematava sempre com as palavras “saí limpo”, no que os outros achavam muita graça.

No Chuí, nossa fronteira próxima a Jaguarão, morava um compadre e amigo do velho Carlos Silveira – Lycurgo José de Figueiredo, estancieiro naquele departamento e que, de tempos em tempos, se o seu compadre por lá não aparecia, ele ia ao Aceguá, passando com o amigo muitos dias. Em uma dessas ocasiões, dera-se com o mulato um dos costumados conflitos. Já cansado e, vendo que o mulato não se corrigia, pinta-o em poucas palavras ao amigo que o visitava, dizendo: “você leva-o para sua estância. É um bom peão. Ele lá não conhece ninguém e, não tendo inimigos, como por aqui, não haverá necessidade de andar brigando.” Lycurgo, concorda e, de volta ao Chuí, levou o mulato em sua companhia.

Já eram passados muitos meses quando, um belo dia, apresenta-se ele em Aceguá trazendo um bilhete a seu senhor. Nesse bilhete, Lycurgo dizia que o mulato continuava a ser o mesmo que era no Aceguá, em constantes brigas com castelhanos e que ele, Lycurgo, não mais estava disposto a aturá-lo, e por isso, o devolvia.

Nesta ocasião Gaspar Martins terminava sua estação de férias e aprestavam-se os preparativos de sua viagem a Pelotas, donde tomaria o vapor que o conduziria a São Paulo. Carlos chama o filho, mostra-lhe o bilhete do amigo e diz referindo-se ao mulato: “leve-o e venda-o em São Paulo... Também não posso mais aturá-lo...” Gaspar obedeceu. Leva-o em sua comitiva e diz-lhe ao chegar a Pelotas: “Amanhã, às 2 horas, vou tomar o vapor, e quando eu embarcar, quero vê-lo na prancha do vapor, ouviu? “Sim, senhor”, respondeu o mulato, respeitosamente.

Efetivamente, no dia seguinte, Silveira acompanhado de poucos amigos, entre os quais um filho do velho Lycurgo e de alguns colegas, vai tomar o vapor.

Ao embarcar vê o mulato no meio da prancha, segurando os arreios enfeixados, como é de uso na campanha.

Ali estava todo o seu aviamento de campeiro, laço, boleadeiras, chilenas de ferro, o rabo de tatu, entre os pelegos, o facão, e o xiripá. Silveira, vendo-o com aquele volume à mão, pergunta impensadamente e algo impaciente: “Para que isso?”... O mulato se surpreende, e comovido, responde:

“Ueé, seor moço?!... Meus trens!!!"

Silveira encaminha-se para o vapor. Dirige-se ao comissário e pergunta onde tem papel e tinta. Este mostra-lhe a escrivaninha de bordo.

Silveira assenta-se e os amigos o veem redigindo a largos traços qualquer coisa que se parecia com um ofício. Dobra-o, passa entre os amigos, mostra-o e diz-lhes: “È a sua carta de liberdade. Homens como esse não se tiram do Rio Grande. Seria para eles um suicídio”.

Vai até o mulato entrega-lhe o papel dizendo: “Aqui tens a tua carta de liberdade. És um homem livre, podes trabalhar onde quiseres...mas não volte para o Aceguá, a fim de não aborrecer meu pai!”


FONTE:

AZAMBUJA, Bento Martins de. “Recordações Gaúchas”, Camaquã, Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã, Reeditado em 2007. 152 p. 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

ULYSSES REVERBEL

                                                        Ulysses Reverbel


Ulysses Reverbel nasceu em três de novembro de 1846 em Santana do Livramento, filho de Antoine Celestin Charles Reverbel (Carlos Reverbel) e de Leocádia Pimentel de lima.

Diz Carlos Reverbel, o escritor, em depoimento à Jornalista Cláudia Laitano: “Meu tio-avô, Ulysses Reverbel, foi o principal responsável pelo vínculo da família com a tradição maragata. Ulysses era político em Quarai e Livramento e foi um dos signatários do manifesto lançado por Joca Tavares em 1893, anunciando a Revolução Federalista. Quando a Revolução terminou, em 1895, Ulysses Reverbel foi obrigado a fugir para o Uruguai para escapar das perseguições republicanas, nascia assim o ramo uruguaio dos Reverbel”.

Ulysses Reverbel foi político e chefe militar na Revolução Federalista, desde o seu início como tenente-coronel e no final como Coronel Comandante da 1ª Brigada de Cavalaria (150 praças), integrando as forças lideradas pelo Almirante Saldanha da Gama. Este assim definiu a Fisionomia de Ulysses Reverbel, em seu diário, no dia 29 de Janeiro de 1895:

“O Coronel Ulysses Reverbel, apesar do desalinho de seu vestuário, apresenta o aspecto de um militar alemão. Baixo, redondo de corpo, cabeça e cara larga, animada por dois olhos pequeninos, porém vivos. Tem a tez mui tisnada. Os cabelos apenas começam a pintar. Usa bigode aparado à moda antiga. É o que melhor se exprime e mais falante de todos esses chefes. Na sua linguagem, notam-se argúcias de fino rábula”.
Conta seu neto, Ulysses Pereira Reverbel: “Su abuelo materno, Ulysses Reverbel, quien era brasileño, durante la revolución del Almirante Saldanha (Revolução Federalista) intervino activamente con el grado de Coronel. En ese entoces, el abuelo materno hipotecó sus campos y con ese dinero compró armas para ayudar a la revolución”.

“Quando o Almirante Saldanha foi morto numa batalha e desmoronou a revolução, Ulysses se fixou, com esposa e filha, no Uruguai. Teve que vender seus campos para pagar a hipoteca. Para poder se recuperar comprava gado na Argentina e levava para o Uruguai. Sem dúvida era uma homem de fortes convicções e muita força. Era vastamente reconhecido por ter tido a valentia de abandonar tudo para lutar por um ideal. Este abuelo no tuvo participación activa en política en territorio uruguayo.”

Ulysses Revervel casou, a primeira vez, a cinco de dezembro de 1869 em Santana do Livramento, com Laurentina Silva, nascida em 1846 em Artigas e falecida em 1883 também em Artigas. Deste casamento teve uma filha chamada Adélia. Viúvo, casou a segunda vez com Amanda Silva, nascida a 22 de outubro de 1869 em Quarai, tendo falecido em Artigas a 1º de fevereiro de 1941.
Interessante assinalar que a segunda mulher de Ulysses era filha da primeira.


Ulysses Revervel faleceu na Estância do Cuaró, em Artigas, a 24 de março de 1915, com 68 anos de idade. 


                 "A Escondida", estância de Ulysses Pereira Reverbel em Cuaró.  



Fontes: 

SILVEIRA, Gustavo Py Gomes da. "Os Reverbel", Porto Alegre, Edições Caravela, 2012. 184 p.
           
AXT, Gunter; MARTINS, Hélio Leoncio; COSTA, Milena Cardoso. "Diário e Correspondências do Almirante Saldanha da Gama:  Luiz Felipe de Saldanha da Gama",  Porto Alegre, Edição Sulina, 2009. 200 p.