segunda-feira, 4 de agosto de 2014

RANCHOS DA CAMPANHA GAÚCHA

                                               Rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

Mesmo estando praticamente extinto, esse tão original tipo de moradia alcançou grande importância em nosso meio com nítida predominância até a década de 1940, o que pode ser comprovado pelos numerosos sinais dessas taperas que ficaram salientes sobre o verde de nossos campos e o testemunho das cacimbas que ainda permanecem em sua maioria lacrimejando vertentes e saudades ratificando o nome deste lugar.

                                         Rancho, "Serra da Hulha", Hulha Negra-RS

Os ranchos podem ser de torrão, pau-a-pique ou quincha. Para a sua construção, a madeira, o santa-fé ou macega e a taquara eram cortados na lua minguante e nos meses que não possuem a letra R em seus nomes, preferencialmente, maio e junho. As leivas ou torrões eram retirados da beira das várzeas onde o solo é mais consistente e a grama mais densa, dando assim, maior durabilidade às paredes. Antes de começar a erguer as paredes de torrão, era feita uma armação com taquaras ou madeira de mato para manter o lugar certo as portas e janelas sendo que, para o quarto das moças, eram feitas janelas bem pequenas de forma a não permitir que um homem encontrasse espaço para ultrapassá-las. Depois de acertada essa estrutura, começava a construção das paredes com os torrões colocados uns sobre os outros e o pasto voltado para o lado de cima; esse material era transportado sobre rastas em forma de forquilha e puxadas por bois. Levantadas as paredes de altura variada com mais ou menos 0,60 cm de largura e com muito capricho, precisava fazer a armação ou o madeiramento para receber a quincha; muitas vezes essa estrutura composta por caibros, linhas, pontaletes, tesouras, esteios, etc, era amarrada com fortes tentos, bem molhados, de couro de cavalo ou vacum.

                                          Rancho, "Serra da Hulha", Hulha Negra-RS

 Até o final da década de 30, havia um galpão de torrão na propriedade do Sr. Lourival Figueira próximo ao Cemitério da Guarda que ainda apresentava o madeiramento amarrado com couro de cavalo.

As linhas, tesouras, caibros, etc... eram confeccionados com madeira de mato e taquaras para segurar e amarrar a quincha que, por sua vez, era feita com santa-fé ou macega cortados uns tempos antes para que estivessem murchos ou no ponto certo para não afrouxar os pontos da quincha.

Concluída essa etapa, chegava à vez de barrear (rebocar) internamente a morada o que era feito com barro bem sovado ao qual adicionavam um pouco de esterco para dar melhor liga; havendo disponibilidade, usavam saibro de diversas cores (vermelho, amarelo, cinza, etc...) para barrear cada peça do rancho ficando, dessa forma, como se tivessem sido pintadas cada uma de uma cor diferente. Concluído o serviço de barreamento, eram colocados os baldrames para segurar os pisos que eram feitos com terra de cupins bem molhada e socada. Geralmente de cupiá (declive em guarani) as quinchas eram de escada ou penteada e, para amarrá-las interna e externamente, o apoio de madeira fina de mato, taquaras ou arame preto. Em cada canto de parede usavam fazer uma pequena cerca de pau-a-pique ou cravar um moerão de média altura para proteger as mesmas dos animais domésticos que acabam danificando a edificação ao esfregarem-se para se coçar.

Rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

Terminada a etapa da construção do rancho, colocadas as portas, as janelas, feitas a partir de tábuas de caixas de sabão, velas, etc... e mais, primitivamente de couros, o próximo passo era emparelhar as paredes pelo lado externo com um pá de corte bem afiada. As fechaduras mais comuns para as aberturas dessas edificações eram as “tramelas”, tentos e trancas assim como, para as dobradiças, em geral era usado o couro. Havia muitos ranchos que eram barreados pelo lado externo também e, nesses casos, os proprietários mais caprichosos ou com melhores condições, pintavam seus ranchos com cal misturado a resina de tuna servindo como fixador de ótima qualidade.

Rancho, "Corredor Internacional", Aceguá-Uruguai


Uma peculiaridade interessante dos ranchos, é que as cozinhas eram construídas separadamente, isto é, um prédio exclusivamente para abrigar aquelas dependências, graças ao grande risco de incêndio nos dias de ventos fortes; em muitos casos, as chaminés eram edificadas com pedras sentadas em barro para prevenir esses sinistros.

                      Cozinha construída separadamente, rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

O rancho de pau-a-pique, em linhas gerais, obedece ao mesmo método de construção no que diz respeito ao madeiramento, à quincha e ao piso com a fundamental diferença de que, neste, o madeiramento é apoiado em esteios e as paredes são feitas de madeira de mato ou taquaras dispostas verticalmente encostadas uma na outra e, no sentido horizontal e a uma distancia média de ½ palmo, um par de varas ou taquaras (uma pelo lado interno e outra pelo lado externo) colocadas na mesma altura para tornar possível a amarração dessas madeiras ou taquaras com arame, couro ou embira. Essas paredes uma vez concluídas, eram caprichosamente barreadas pelos dois lados adquirindo com isso, uma resistência e durabilidade extraordinárias.  

Outros materiais serviam para a construção de paredes de ranchos, galpões, abrigos, etc... Chamados por alguns de ranchos de quinchas, querendo denominar as moradias cujas paredes eram ou são feitas de chirca, santa-fé, mata-olho, vassoura vermelha, etc... Nesse caso, é indispensável o barreamento (reboco) bem feito pelos dois lados das paredes exceto no caso de galpões e outras dependências não destinadas a residir. A técnica de construção obedece grande semelhança às paredes de pau-a-pique; os materiais citados em posição vertical amarrados por taquaras ou varas finas colocadas horizontalmente para o amarramento.


Completavam o cenário dessas rústicas moradias, um galpãozinho de pau-a-pique sem barrear, um forno, uma ramada, a lenheira, um palanque na frente, uma mangueira de pau-a-pique, o varal para o charque, uma eira, um pesado tronco de árvore sobre o chão para atar baguais, um galinheiro, um chiqueiro para porcos, uma ferradura na porta da frente para dar sorte, um pé de arruda, um jasmineiro, cinamomos e umbus em cuja sombra uma pedra de afiar, a pipa d’água e uma estância de gado de osso. Pendurada na sala uma figa esculpida de uma guampa de tamanho regular que servia também de vaso para colocar algumas flores de jasmim, galhos de arruda enfeitando e aromando o ambiente.
Galpãozinho, anexo ao rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

                  Sr. Basilício, 86 anos, em frente ao seu rancho, "Vila da Lata", Aceguá-RS

O texto acima apresentado não tem nenhuma pretensão de ser um tratado completo sobre os tipos de ranchos da nossa região, nem sobre a diversificada técnica de suas construções, mas sim, uma breve síntese que tem o objetivo de fornecer alguns subsídios elementares sobre o assunto.

Nos “Olhos D’água”, interior de Bagé, existiram muitos quinchadores de ranchos dentre os quais podemos citar: José Martins, Filadelfo Porcelis, Hermenegildo Delgado, Julio Porcelis, etc...

Conforme relatório técnico da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 1984, o rancho é a melhor moradia para o ser humano em qualquer região do mundo, por ser totalmente orgânico e térmico e por essa razão, não apresentar nenhum risco a saúde das pessoas ao contrário de vários materiais usados atualmente para as construções de alvenaria que, comprovadamente, são cancerígenos. 

FONTE:

MATTOS, Eron Vaz. "Aqui – Memorial em Olhos D’água", Bagé, Gráfica CECOM, 2003. 210p.